19.12.12

Sonhadores.

Passou as unhas de leve numa tentativa breve de rasurar a pintura branca da parede esquerda, se olhou pouco curiosa no espelho, era assim naquela época. Forrou a cama, tudo tão lento em que ela fazia. Talvez ele admirasse seus movimentos primitivos ou tentasse ignorar sua loucura. Era linda a cena por si, fosse quais fossem os motivos.
"- O que você está fazendo?
- Estava memorizando este quarto, no futuro, em minha memória, vou ficar muito tempo aqui."
Ela estava a tentar se auto afirmar através de outra matéria  gritando - dizia que para outros - para si a sua originalidade plural, esta única mais nada faria por ela. Que seria ele se o destino já não tivesse decidido que tinha de ser como era. Só era apenas ela ao algemar seus próprios pulsos no Musée du Louvre, porque ao morrer no chão cravado por sombra de cruz calculada, atuando Scarface(1932), do autor passado -Howard Hawks, ela se confundia nele.
Era toda essa confusão que me apaixonava e enlouquecia. Um irmão siamês, ora só, lhe tirando a virgindade de ser mulher e só.
Aquela liberdade estrondosa causando pânico a olhares quaisquer não dentro de seus mundos. Meus olhos abrindo-se mais para enxergar a beleza exagerada da poesia infernal que eram seus corpos desnudos de qualquer maldade numa cama cheia de tratados. Siameses.
A liberdade do tato, do ato, da fala, censura. O sangue não era tudo na cama dele.
O sangue dela no chão era confiança total naquele homem, o corpo mole do menino era primeiro amor - meu amor valentino.
Aquele homem, ao tocar com as mãos o sangue entre as pernas dela deixa de ser qualquer ser. Se torna logo e inteiramente todo ela. Chorando por quê?
Se aqueles dois (me refiro aos irmãos siameses) fossem inteiramente capaz de conviver sem o olhar do outro, se eles não fossem apenas um ser repartido em dois corpos...então eu não sei o que é ter ciência de si. E se o menino amarelo, o intruso que fora aceito não é a porta de um puta contraste de vidas passadas e atuais,  se ele não foi usado pra que eu me identificasse e visse o templo que é o corpo do outro. Se ele não sou eu criança, então também jamais saberei quem era aquele menino crescendo num mundo cujo o ar não lhe era, de início, compatível ao organismo.

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